Momento sério do dia

Tenho uma aluna que só há dias conheceu o pai. Viveu 12 anos sem saber quem ele era. Passou 12 anos a pedir à mãe que lhe apresentasse o pai (bem, 12 talvez não que a miúda não nasceu a saber falar). Viveram estes anos todos na mesma cidade, a escassos minutos um do outro, mas não se conheciam. Ela sabia que tinha um pai, ele sabia que tinha uma filha. E sim, a mãe sabia onde ele trabalhava, sabia onde encontrá-lo. Não foi um daqueles casos em que se desconhece o paradeiro do outro, que não há forma de contactá-lo, que há duzentos mil quilómetros de distância a separá-los, que não se sabe onde começar a procurar. Não. Viviam todos na mesma cidade. A escassos minutos um do outro. Todos sabiam da existência uns dos outros. Mas a miúda viveu 12 anos com o desgosto de não conhecer o pai. O pai viveu 12 anos sem conhecer a filha, sabendo que a tinha, sabendo que ela existia algures por ali. 12 anos sem que a curiosidade o atingisse, ou o peso na consciência, ou o sentido da responsabilidade ou o que diabo fosse.
No outro dia, entrou-me pela sala dentro uma miúda toda contente, olhos brilhantes, sorriso de orelha a orelha, telemóvel na mão para me mostrar uma fotografia. Era o pai, era ela e o pai. Foi finalmente conhecê-lo. E que bem que aquilo lhe fez! Não baixou os braços, aquela miúda. E, ao fim de 12 anos, lá conseguiu convencer a mãe a satisfazer-lhe o pedido. Ao fim de 12 anos, pôde olhar na cara do progenitor e descobrir os traços em comum. Perguntou ao pai se lhe dava o nome dele. Uma miúda com 12 anos, na primeira vez que vê o pai, tem o sangue frio de lhe pedir para usar o nome dele! E o pai disse que sim, que ia tratar disso. E foi. E a C., inchada de orgulho, foi logo à secretaria da escola tratar de aparecer no livro de ponto com o seu novo apelido. Mas foram precisos 12 anos. 12 anos! Já disse que viviam todos na mesma cidade, não já?